sexta-feira, 9 de março de 2012
ESMIR FILHO fala sobre OS FAMOSOS E OS DUENDES DA MORTE
Natural de São Paulo, Esmir Filho formou-se em Cinema pela FAAP em 2004. É um
bem-sucedido diretor de curtas-metragens. Seu curta "Alguma Coisa Assim"
conquistou o prêmio de Melhor Roteiro no Festival de Cannes de 2006, na Semana
Internacional da Crítica, e ganhou como Melhor Filme no Festival de Biarritz. Já
"Ímpar Par" venceu na categoria Melhor Filme o Molodist Film Festival, em Kiev, no
ano de 2005. Seu vídeo "Tapa na Pantera" é o mais visto no YouTube no Brasil, com
mais de 10 milhões de acessos. E seu curta mais recente, "Saliva", foi selecionado
para a Semana Internacional da Crítica do Festival de Cannes de 2007, além de
ter conquistado o prêmio de Melhor Filme no Sitges Film Festival. "Os Famosos e
os Duendes da Morte" é seu longa-metragem de estreia.
ENTREVISTA COM ESMIR FILHO
Por Bernard Payen, em junho de 2009
(material de divulgação do filme)
Quando você sentiu pela primeira vez o desejo pelo cinema?
Eu costumava ir muito ao cinema para assistir a todo tipo de filmes. Mas um
filme em especial, que vi aos 15 anos, mudou minha perspectiva. Foi Noites de
Cabíria, filme de Federico Fellini, de 1957. Aquela cena final em que Cabíria
sorri com lágrimas nos olhos e anjinhos brincam à sua volta me causou uma
sensação indescritível. Pensei: “Isso é piedade? É dor? É esperança? É
melancolia?”. E por fim eu me dei conta de que era uma combinação de coisas.
Era algo que não caberia em palavras, que nenhuma frase poderia definir. Foi
então que comecei a acreditar no poder das imagens para expressar sentimentos.
Mesmo que a cena não seja realista, ela me mostrou algo real. Ali entrei em
contato com símbolos e metáforas poéticas no mundo do cinema como arte pela
primeira vez.
Por que o tema da adolescência é tão importante para você?
Adoro a forma como os adolescentes pensam sobre o mundo. Suas emoções são
mais intensas e eles são facilmente seduzidos pelas possibilidades que a vida
pode trazer. Começam a descobrir muitas coisas sobre si próprios e tentam lutar
contra seus sentimentos ocultos. O primeiro beijo pode ser assustador para uma
menina que vai trocar fluidos pela primeira vez, como em meu filme anterior, o
curta-metragem Saliva. Ou então a primeira decepção amorosa, que parece
jamais ter fim para a menina que se apaixona pelo amigo gay, como acontece em
meu outro curta, Alguma Coisa Assim. Todas as situações que ocorreram durante
nossa adolescência parecem banais depois que crescemos. Mas houve um tempo
em que eram aterrorizantes para todos nós e bastante esclarecedoras também. É
por isso que gosto de falar da angústia da adolescência e dos sentimentos de
melancolia, rebeldia, insegurança e solidão dessa fase. E também do medo do
novo!
Qual é o ponto de partida de Os Famosos e os Duendes da Morte?
Quando li Os Famosos e os Duendes da Morte, manuscrito de Ismael Caneppele,
pela primeira vez, a poesia e a sensibilidade do texto me fascinaram. A história
era incrível e me mostrou o verdadeiro sentimento de ser um adolescente nos
dias de hoje, com o mundo virtual. O texto era repleto de fatos autobiográficos,
uma vez que o escritor nasceu numa cidade rural de colonização alemã e acabou
se mudando para São Paulo ao completar 18 anos. Na obra ele descreve o rito de
passagem de um menino que tem sentimentos mal-resolvidos em relação a si
mesmo e à sua cidade e que está em busca de respostas. “Isto é a adolescência”,
pensei. “Viver no lugar em que você nasceu, porém sentindo que aquele não é o
seu lugar.” Eu o encorajei a publicar o livro e o convidei para escrever o roteiro
comigo. E aí tudo se tornou realidade. Fui à cidade natal dele e morei lá durante
alguns meses, conhecendo os lugares que ele tinha descrito no livro e os jovens
que moravam lá. Compreendi o forte sentimento de fazer parte de uma cultura
alemã, sendo ao mesmo tempo um adolescente brasileiro. Os mais idosos falam
em alemão e seguem as tradições alemãs, ao passo que os adolescentes
acreditam que a internet é a única válvula de escape de uma cidade em que
nada acontece. Eu queria fixar uma imagem de tudo aquilo. Esse foi o ponto de
partida.
Como foi a seleção dos jovens que atuariam no filme?
Eu queria muito trabalhar com adolescentes que vivessem na região em que a
história se passa, porque era importante que eles tivessem a experiência de
morar em uma cidade pequena com tradições alemãs. Então comecei a procurar
em blogs, fotologs e Flickrs da região, que são o lugar certo para conhecer
adolescentes atualmente. Eu estava interessado em descobrir como eles querem
aparecer na rede. Por meio da internet, eu poderia ver como eles retratavam o
mundo com suas fotos e como seus sentimentos mais profundos eram descritos
em seus blogs. Entrei em contato com eles e agendei entrevistas na região. Falei
com mais de 400 adolescentes e selecionei 40. Nós lhes oferecemos um workshop
intensivo, com aulas de interpretação e de técnicas de cinema. Dos últimos 10
garotos, escolhi Henrique Larré para o personagem principal sem nome; Tuane
Eggers para fazer a garota Jingle Jangle; e Samuel Reginatto para o papel de seu
irmão, Diego. Foi a primeira vez deles no cinema. É importante mencionar meu 9
especial encontro com Tuane Eggers. Adorei o modo como ela retratou sua vida
no fotolog e no Flickr, fugindo da realidade com suas fotos. Ela conseguia
capturar o sentimento de ser um adolescente e transportar isso para uma
fotografia. Todas as fotos que aparecem no filme são dela.
Sua visão da adolescência é bastante isenta e universal. A relação do
adolescente com as imagens, por exemplo, é muito interessante. Ele tem uma
relação solitária e bem pessoal com o computador e a internet, com o MSN e
os amigos com quem conversa. Já a sua relação com a televisão está ligada ao
relacionamento com a mãe.
Atualmente, os adolescentes encontram uma maneira de expressar seus
sentimentos mais profundos por meio da internet. Não precisam informar o nome
verdadeiro e possuem um espaço próprio para contar seus segredos e
compartilhar sua angústia. É como um diário aberto, onde podem escrever e
postar fotos, vídeos e músicas. E trocam entre eles. Procurei trabalhar com esses
elementos ao longo de todo o filme, porque eles ligam o menino ao mundo ao seu
redor. A televisão é passado e isso fica muito claro quando vemos a mãe dele
hipnotizada pela televisão, enquanto ele prefere a internet. Ao mesmo tempo, a 10
TV é o único elo para uma conversa entre mãe e filho na vida cotidiana. Há
sempre um triângulo: o garoto, a mãe, a televisão. Mesmo quando não estão
vendo televisão, há um triângulo: o garoto, a mãe, o cachorro. Qualquer coisa
pode substituir o pai nesse trio. É por isso que sempre vemos um espaço vazio na
casa. Está faltando alguma coisa e eles estão lidando com a perda. São duas
pessoas solitárias que não conseguem preencher o vazio um do outro. Perder um
pai é diferente de perder um marido. Eles precisam tomar conta um do outro,
porém não sabem como fazer isso. O relacionamento de mãe e filho é muito
importante no filme. Mostra tudo que queremos dizer aos nossos pais e aos
nossos filhos, mas não sabemos como. O livro tem passagens maravilhosas sobre
isso.
A trilha sonora do filme é muito importante. Como a imaginou?
O design do som acompanha a angústia do protagonista. As músicas têm uma
importante função, mas os momentos de silêncio são fundamentais. Trabalho em
conjunto com Martin Grignaschi, o desenhista de som, desde meu último curta,
Saliva. Havia várias dicas sobre o som no roteiro. Conversamos bastante antes do
início das filmagens, porque eu precisava deixar algum espaço para que o som
funcionasse nas sequências. Para mim, era importante mostrar a ele o primeiro
copião, porque eu só faria a edição final após me assegurar do papel que o som
desempenhava em cada cena. Então, com a edição final explorávamos a mente
do garoto, criando uma percepção onírica do mundo à volta dele. Tivemos
liberdade para criar o clima de cada cena, usando o som para expressar um
conceito ou um ideal.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário