quarta-feira, 16 de junho de 2010

É sempre bom lembrar…

Por Keka Werneck*

Recentemente vi o filme “Invictus” (2009), dirigido por Clint Eastwood, em que Morgan Freeman, incorpora Nelson Mandela com perfeição. Belo filme!

“Invictus” mostra o apartheid sul-africano, que, para quem ainda não sabe, trata-se do regime de segregação racial adotado legalmente em 1948 pelo agora país da Copa do Mundo 2010.

Portanto, entre um jogo da Copa e outro, assista o filme, que traz informações muito importantes, mesmo nessa hora de torcida.

O apartheid manda que os brancos fiquem de um lado, com as regalias das elites, no caso da África do Sul a inglesa; e os negros de outro, marginalizados, entregues à sorte. Esse regime foi abolido, formalmente, em 1990, com a convocação de eleições presidenciais. Mandela, após 27 anos de prisão política, assume a presidência.

Por que o filme "Invictus" é uma boa sugestão em época de Copa?

A dicotomia - que desconstrói a idéia de humanidade em favor da teoria das raças, sendo então possível uma raça ser melhor do que outra – é posta no filme, justamente, por meio do rúgbi e do futebol, sendo o primeiro o jogo dos brancos e o segundo, dos negros.

Quando Mandela assumiu a presidência da África do Sul, a segregação se fazia presente em tudo. Era uma nação dividida e rachada, como se os desiguais não se completassem, como se o yn-yang não fizesse sentido, como se a noite não precisasse da manhã e da tarde para fechar a roldana do dia e como se todos nós não precisássemos uns dos outros nessa grande aldeia global.

Mas Mandela era um obstinado contra o apartheid. Ele reconheceu no coração pulsante dos esportes um caminho para a igualdade e a unidade e entrou neste universo avesso a ele, o rúgbi, sem medo, entendendo que tudo é política, absolutamente tudo.

Ao invés de minar o rúgbi e alçar o futebol ao posto de esporte oficial, investiu nos dois e inspirou o capitão do time de rúgbi, branco, para que conduzisse uma equipe capaz de emocionar não apenas os brancos, mas todos e todas daquele país tão longe, tão perto de nós. Mandiba, como também é chamado com respeito, com isso, juntava sua nação.

Através do filme "Invictus" e de uma cobertura jornalística mais ampla da Copa, fora do campo, é possível refletirmos, agora, sobre tantas coisas! A África como continente-mãe...Mama-África. Nossa origem! Ossadas do primeiro hominídeo foram encontradas na África. A primeira Universidade registrada no mundo ocorreu na África do conhecimento e da sabedoria. Poucos sabem disso. Uma curiosa notícia para quem costuma associar o continente somente com AIDS e miséria. Podemos também pensar sobre a discriminação, inclusive no futebol brasileiro, onde negros foram impedidos de entrar, até que o Vasco da Gama quebrou a regra racista e, com os atletas “de cor” – como era dito à época – conquistou o título carioca de 1923 e, em seguida, o bi, em 1924. É bom pensar também sobre o próprio apartheid, que não acabou totalmente de fato, e a segregação persiste, apesar de Mandela, que, aos 91 anos, resiste na luta da vida. É sempre bom lembrar sobretudo do nosso racismo velado também...

Lembrar que os negros e negras da África, quando foram trazidos para o Brasil, como se fossem bichos, perderam tudo e, o pior, foram forçados a “queimar” a própria identidade, com famílias separadas e os nomes trocados. É por isso que temos tantos José da Silva, Maria Pereira, Roberto de Souza (nomes inventados) e nenhum (ou raríssimos) João Magudulena, Moacir Zama, Paulo Kalyan, Patrícia Phala, Vera Makeba, Ana Mbasogo...Esses sobrenomes, por hora estranhos, seriam bem comuns para nós, brasileiros, se não fosse a estupidez da escravidão e do racismo.

Keka Werneck é jornalista em Cuiabá.

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